Ali estava ele, curvado. A mão dobrada sob o queixo pontiagudo, como se de um pensamento se tratasse. Só que não. Estava no Momento Secreto - aquele em que vivemos, inquestionavelmente, sem o perceber. Eterno. Então, através do inevitável querer, criamos movimento. Assim o fazia ele, também. O seu cabelo grisalho ostentava um género de coroa, mas na vertical. Um género de rosa-dos-ventos, só que de memórias. Era um relógio. Mas não era um relógio qualquer. Era um relógio mágico - que falava do tempo real, o Momento Secreto - onde pode ser mais antes, ou mais agora, ou mais depois. Sim!, um relógio no topo da cabeça, que fala do imediatamente passado, do presente presente, e do futuro acabadinho de chegar. Com a ponta dos dedos da outra mão, tocava numa bola dourada que se ia arrastando, moldando, rodopiando. Tudo em câmara lenta. Como se fosse uma chama, mas de um material dourado, como um poema. Observava-a com uma lupa. À lupa era possível observar uma cavidade a que se poderia chamar de “boca”. E na boca havia uma dentição a que se poderia chamar de “fechadura”. A lareira acesa fazia crepitar lenha com um cheiro familiar. Tudo parecia estar prestes a mudar. Do relógio no topo de sua cabeça retira uma pequena agulha, a que se poderia chamar de “chave”. E assim colocada tal chave, a bola começou em movimentos de vaivém na vertical. Parecia uma cebola a descascar-se. Ou um comboio zangado, ou zonzo. Algo estava a mudar. Tudo estava a acelerar. A lenha a crepitar. Cai uma névoa de desfoco. Entramos num mar denso. E, de repente, estou aqui. Sou cada palavra, cada pedaço de texto. Olá. Sou, agora, o texto que estás a ler. O homem que estava junto à lareira desmaterializou-se, e juntou-se ao todo. Agora faz parte de mim. Será que tenho um relógio na cabeça? Não devo ter. Chego sempre atrasado.